MIGUEL
SEABRA FAGUNDES -
interventor federal nomeado pelo presidente José Linhares.
MANDATO: 7 DE
NOVEMBRO DE 1945 A 13 DE FEVEREIRO DE 1946
Miguel Seabra Fagundes nasceu em Natal em 30 de junho de 1910,
filho de João Peregrino da Rocha Fagundes e de Cornélia Seabra Fagundes. Seu
pai foi funcionário da Alfândega de Natal e professor de humanidades. Seu irmão
José Crisanto Seabra Fagundes foi ministro interino da Viação e Obras Públicas
na gestão do general Juarez Távora (1964-1967). Outro irmão, o médico e
escritor João Peregrino da Rocha Fagundes Júnior, conhecido como Peregrino
Júnior, tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras em outubro de 1954.
Miguel Seabra Fagundes fez o primário em Natal e, entre 1923 e 1926,
realizou os estudos preparatórios cursando o Colégio Diocesano Santo Antônio e
prestando exames de revalidação no Ateneu Norte-Rio-Grandense. Em 1927
transferiu-se para Recife, onde chegou a cursar o primeiro ano da Faculdade de
Medicina, que deixou em 1928 para ingressar na Faculdade de Direito da mesma
cidade.
Entusiasmado com a campanha da Aliança Liberal — movimento político
criado em 1929 em favor da candidatura oposicionista de Getúlio Vargas à
presidência da República nas eleições previstas para o ano seguinte —, cujas
caravanas percorreram todo o Nordeste, participou ativamente do centro
acadêmico de sua faculdade, destacando-se por seus discursos em defesa do
movimento aliancista. Após a vitória do candidato oficial, Júlio Prestes, nas
eleições de março de 1930, apoiou a revolução deflagrada em outubro seguinte,
que depôs Washington Luís e colocou Vargas na chefia do Governo Provisório.
Ainda estudante, foi nomeado em novembro de 1930 oficial-de-gabinete de Irineu
Joffily, interventor federal no Rio Grande do Norte. Manteve-se no gabinete
mesmo depois de janeiro de 1931, quando, após desentender-se com Vargas,
Joffily deixou a interventoria, indicando antes seu sucessor, o
primeiro-tenente Aluísio de Andrade Moura, então comandante da Polícia Militar
do estado. Aí permaneceu apenas por mais três meses, vindo a se demitir em
razão de divergências com o novo interventor.
DE BACHAREL A DESEMBARGADOR
De volta a Recife, bacharelou-se em março de 1932 e foi o orador de sua
turma, proferindo um discurso, segundo seu próprio depoimento, norteado pela
convicção nos princípios liberais da Revolução de 1930. Logo em seguida
retornou a Natal, onde fixou residência e instalou seu primeiro escritório de advocacia.
Por essa época foi atraído pelo integralismo, movimento político de inspiração
fascista recém-fundado por Plínio Salgado, e passou a militar junto à Ação
Integralista Brasileira (AIB) em seu estado.
Durante a interventoria de Bertino Dutra no Rio Grande do Norte, iniciada
em junho de 1932, foi delegado-auxiliar do então chefe de polícia do estado,
João Café Filho, mas permaneceu no cargo pouco tempo. Por essa época,
afastou-se oficialmente da AIB. Em meio à Revolução Constitucionalista que se
estendeu de julho a setembro de 1932, tendo adquirido a essa altura elevado
conceito entre os companheiros de profissão, foi nomeado juiz e em seguida
designado por Vargas procurador do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio
Grande do Norte. Coube a esse tribunal, criado pelo Código Eleitoral promulgado
em fevereiro desse ano, organizar no estado as eleições de 3 de maio de 1933 à
Assembléia Nacional Constituinte, regulando desde o alistamento eleitoral até a
apuração dos votos e o reconhecimento dos eleitos.
De acordo com a nova Constituição (16/7/1934), 1/5 da composição dos
tribunais de Justiça ficou reservado a advogados e membros do Ministério
Público, devendo cada estado adaptar sua lei judiciária a esse dispositivo
constitucional. Assim, em junho de 1935, às vésperas de completar 25 anos, foi
nomeado desembargador do Tribunal de Justiça — então Corte de Apelação — do Rio
Grande do Norte, na qualidade de representante dos advogados.
Seu primeiro livro, O controle dos atos administrativos pelo
Poder Judiciário, lançado em 1941 e reeditado em 1950, 1957, 1968, 1979 e
1984, suscitou uma nota crítica negativa do jurista Temístocles Cavalcanti,
publicada na revista Direito, crítica à qual só responderia quando da
segunda edição.
Em julho de 1943, ao lado do desembargador Sinval Moreira Dias,
representou o Rio Grande do Norte na I Conferência Nacional de Desembargadores,
promovida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e realizada no Rio de
Janeiro, com o objetivo de estudar normas exegéticas para a aplicação uniforme
da nova legislação penal. Durante o evento, tendo em vista o princípio da
aplicação ao réu da lei mais favorável, formaram-se duas correntes: uma, que
defendia o ponto de vista de que se o novo Código Penal contivesse o
dispositivo mais favorável na sua totalidade, deveria ser aplicado sem levar em
consideração a lei anterior, a Consolidação das Leis Penais; e outra, que tinha
em Seabra Fagundes um dos principais defensores, e que afinal acabou
prevalecendo, segundo a qual deveriam ser aplicados tanto o Código quanto a
Consolidação naquilo que cada um deles mais favorecesse o réu.
Ainda em 1943, representou seu estado no I Congresso Jurídico Nacional,
promovido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) durante as
comemorações do centenário de sua fundação. Nesse encontro, em cujas comissões,
segundo Hélio Silva, “apareceram os primeiros pronunciamentos contrários ao
regime totalitário do Estado Novo, em teses cujos debates opunham defensores do
governo e seus contestadores”, defendeu a tese “Da proteção do indivíduo contra
o ato administrativo ilegal ou injusto”, sofrendo oposição das
delegações de São Paulo e do Rio Grande do Sul e, mais uma vez, do jurista
Temístocles Cavalcanti, do Rio de Janeiro. Este, com base em recente publicação
de sua autoria, As instituições de direito administrativo, que
alcançara grande repercussão no meio jurídico, tentou inutilmente esvaziar a
tese apresentada, propondo inclusive a alteração das conclusões. Em defesa do
trabalho manifestaram-se os juristas Vítor Nunes Leal e Lúcio Bittencourt, que
postularam com êxito sua aprovação na íntegra.
INTERVENTOR NO RIO GRANDE DO
NORTE
Com a decretação da Lei Eleitoral de 28 de maio de 1945, ainda durante a
vigência do Estado Novo, Getúlio Vargas dispôs sobre as datas das eleições para
a presidência da República, o Congresso, os governos e as assembléias
legislativas estaduais. Estabelecidas as regras para a reestruturação legal dos
novos partidos políticos, os agrupamentos surgidos a partir de fevereiro
iniciaram as providências para obterem seu registro junto à Justiça Eleitoral.
Nesse quadro, Seabra Fagundes passou a exercer a presidência do TRE do Rio
Grande do Norte.
No entanto, a ambigüidade das declarações posteriores de Vargas no
tocante às eleições, o crescimento do movimento “queremista”, que pedia a
Constituinte com a permanência de Getúlio na chefia do governo, e a conseqüente
ameaça de que, a exemplo de 1937, o próprio Vargas desse novo golpe de Estado,
resultaram na sua deposição em 29 de outubro de 1945. O governo foi então
assumido por José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a
quem coube presidir as eleições para a chefia do Executivo federal e para a
Assembléia Nacional Constituinte, fixadas para 2 de dezembro.
Logo no início do governo Linhares, foi suspensa — através de emenda à
Constituição de 1937 então em vigor — a incompatibilidade entre a magistratura
e o exercício de qualquer outra função ou cargo, exceção feita ao magistério.
Essa medida visava a abrir a possibilidade de se preencherem as interventorias
nos estados com magistrados, o que efetivamente ocorreu em grande número de
casos. Assim, em 3 de novembro de 1945, Seabra Fagundes foi nomeado interventor
federal no Rio Grande do Norte, substituindo Deoclécio Dantas Duarte,
interventor em exercício. Pouco tempo depois foi eleito presidente do Tribunal
de Justiça do estado, mas só tomaria posse no cargo após deixar a interventoria.
Apesar de seu curto período à frente do Executivo estadual — apenas três
meses — Seabra Fagundes reduziu de imediato seus subsídios, e, proibindo a
publicação no Diário Oficial do estado de matéria elogiosa às
decisões por ele tomadas, passou a redigir as justificativas dos atos de sua
administração. Ainda durante sua gestão, as seções da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) e do IAB do Rio Grande do Norte ganharam nova sede.
Em fevereiro de 1946, logo após a instalação da Assembléia Nacional
Constituinte, deixou a interventoria, sendo substituído por Ubaldo Bezerra de
Melo, do Partido Social Democrático (PSD). Em seguida tomou posse na
presidência do Tribunal de Justiça do estado, mas logo se afastou para assumir
o cargo de consultor-geral da República, para o qual fora nomeado pelo
presidente recém-eleito, Eurico Gaspar Dutra. Em agosto seguinte filiou-se ao
IAB e, com o restabelecimento da incompatibilidade pela Constituição Federal
promulgada em setembro, demitiu-se da consultoria para não perder seu cargo na
magistratura. Retornou em seguida ao Rio Grande do Norte, reassumindo a
presidência do Tribunal de Justiça.
Em 1949 participou da organização da Faculdade de Direito de seu estado
e, decidido a fixar residência no Rio de Janeiro, em março de 1950 exonerou-se
da função de desembargador do Tribunal de Justiça e retomou a advocacia. Em
julho transferiu sua inscrição na OAB para a seção do Rio de Janeiro e foi
contratado como assessor jurídico do Conselho Rodoviário Nacional.
Durante o segundo governo Vargas, iniciado em janeiro de 1951, continuou
a advogar na capital da República. Em 1952 foi convidado para integrar o
conselho técnico da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e, em 1953,
tornou-se membro do conselho secional da OAB no Distrito FederaL
NO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Em 11 de agosto de 1954, em meio à crise política que agitava o país, foi
eleito presidente do conselho federal da OAB, cargo que automaticamente o
tornou presidente da Ordem, e, no fim do mandato, membro nato do conselho.
Com o suicídio de Getúlio Vargas no dia 24, o então vice-presidente João
Café Filho assumiu a presidência da República e nesse mesmo dia tratou de
reorganizar o ministério. Diante da saída de Tancredo Neves da pasta da Justiça
e da recusa de Nereu Ramos a assumi-la, por sugestão do próprio Nereu e com a
aprovação de todos os partidos, Café Filho convidou Seabra Fagundes para
ocupá-la, segundo seu próprio depoimento, por ser “um jurista alheio à
política”. Pedindo algum tempo para pensar e consultar seus irmãos, Seabra
Fagundes não aceitou a proposta de imediato. No entanto, considerando as
dificuldades com que se defrontava o presidente, e uma vez que os partidos o
haviam aprovado, retornou à noite com a resposta afirmativa.
Licenciando-se da presidência da OAB, no mesmo 24 de agosto foi nomeado
ministro da Justiça. Assumindo a pasta num momento tenso, quando as
manifestações de rua agitavam o Rio, reuniu-se com as autoridades policiais
pedindo-lhes o restabelecimento da ordem, sem violência. Desde o início de sua
gestão, combateu as pretensões do jornalista Carlos Lacerda, que em seu jornal,
Tribuna da Imprensa, liderava uma campanha pelo fechamento do vespertino
getulista e agora de oposição Última Hora. Opondo-se com firmeza a essa
ofensiva, à qual se aliavam vários setores civis do governo e altas patentes
militares, Seabra Fagundes denunciou a inconstitucionalidade da proposta.
A partir de novembro de 1954, o problema da sucessão presidencial
tornou-se o tema central das discussões políticas no país, com o lançamento,
pela direção nacional do PSD, da candidatura de Juscelino Kubitschek, então
governador de Minas Gerais, à presidência da República, nas eleições previstas
para outubro de 1955. Essa candidatura encontrou forte oposição por parte das
principais autoridades militares e da União Democrática Nacional (UDN), partido
que não dispunha de um nome capaz de competir com êxito com Kubitschek e
defendia, portanto, a tese de um candidato único, de “união nacional”, contra
candidaturas partidárias.
Em janeiro de 1955, ao mesmo tempo em que Lacerda pregava na Tribuna
da Imprensa a “união das forças democráticas” que, de seu ponto de
vista, encontravam-se ameaçadas com a candidatura pessedista, o ministro da
Marinha, almirante Edmundo Amorim do Vale, entregava a Café Filho um documento
assinado pelos três ministros militares e por destacados oficiais das três
forças ressaltando a conveniência de um candidato único às eleições
presidenciais, cujo nome deveria receber a aprovação das forças armadas. Apesar
de toda essa oposição, Kubitschek teve sua candidatura homologada pela
convenção nacional do PSD em 10 de fevereiro. Pressionado pelos militares e em
frontal desacordo com seu ministro da Justiça, Café Filho divulgou a nota dos
militares em cadeia de rádio e de televisão. Diante do fato, em 14 de fevereiro
Seabra Fagundes apresentou ao presidente seu pedido de demissão.
Ao deixar a pasta da Justiça, fez um discurso — que alcançou grande
repercussão na imprensa — explicando as razões de sua exoneração. Reafirmando
sua posição, já declarada anteriormente em resposta a Carlos Lacerda, que o
chamara de inepto por não coordenar as candidaturas à presidência da República,
declarou que tal função não lhe competia, nem ao presidente da República.
Substituído por Alexandre Marcondes Filho, dedicou-se a partir de então
apenas à advocacia e logo em seguida reassumiu a presidência da OAB,
permanecendo no cargo até agosto de 1956.
NA DEFESA
DA ORDEM CONSTITUCIONAL
Em 3 de outubro realizaram-se afinal as eleições presidenciais,
garantidas por tropas do Exército, e, em meados do mês, foram concluídas as
apurações que deram a vitória ao candidato pessedista. Visando a barrar uma
conspiração em marcha nos meios militares para impedir a posse de Kubitschek, o
general Henrique Lott, ministro da Guerra demissionário, liderou o chamado
“contragolpe preventivo”, o Movimento do 11 de Novembro de 1955, e garantiu a
posse do presidente eleito, ocorrida afinal em janeiro de 1956. Em entrevista
ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
(Cpdoc), Seabra Fagundes levantou restrições à ação de Lott, alegando que, para
evitar que a Constituição fosse violada, o próprio movimento a estiolou e abriu
exceção para posteriores fraturas do texto constitucional.
Apesar de ter sido duramente combatido por Carlos Lacerda no
período de sua gestão no Ministério da Justiça, opôs-se com firmeza à proibição
feita pelo governo ao então parlamentar, através da portaria baixada pelo
Ministério da Viação em outubro de 1956, de se pronunciar em emissoras de rádio
e de televisão. Com base nesse fato, escreveu um artigo intitulado “Regime
legal do rádio e da televisão em face da Constituição Federal”, criticando a
censura prévia do pensamento político, cuja livre manifestação era garantida
constitucionalmente. Seus argumentos deram origem à emenda do deputado udenista
Adauto Lúcio Cardoso ao projeto do Código Brasileiro de Comunicações, então
debatido no Congresso. Em meio a essa polêmica, foi convidado pela Câmara para
fazer uma conferência sobre a Constituição de 1946, representando a OAB na
solenidade comemorativa do décimo ano da promulgação da Carta. No entanto,
diante da apreensão do jornal Tribuna da Imprensa, que, de acordo com
sua tradição oposicionista, acusou o presidente Juscelino Kubitschek de estar
“afinado com os comunistas” e “dominado por traidores”, recusou-se a comparecer
à Câmara, declarando que não se pronunciaria sobre uma Constituição que estava
sendo desrespeitada. A conferência que não proferiu na ocasião resultou em um
artigo publicado sob o título “Treze anos de prática da Constituição:
aplicação, omissões e distorções”.
Em setembro de 1961, logo após a renúncia de Jânio Quadros da presidência
da República, em 25 de agosto, e em razão do veto dos três ministros militares
à posse do vice-presidente João Goulart, o Congresso aprovou a Emenda
Constitucional nº 4 instituindo o parlamentarismo. A adoção do novo regime —
que restringiu os poderes presidenciais — tinha por objetivo solucionar a crise
que se instalara, aplacando a resistência militar à posse do sucessor legal de
Jânio. Acompanhando como jurista os fatos desse período, em 1962 Seabra
Fagundes fez uma conferência no IAB de São Paulo intitulada “O parlamentarismo
no Ato Adicional”.
Após a derrubada do governo João Goulart pelo movimento político-militar
de 31 de março de 1964, os governos militares que se sucederam baixaram 17 atos
institucionais que, regulamentados por mais de uma centena de atos
complementares, conferiram um alto grau de centralização à administração e à
política, reforçando os poderes do Executivo e ampliando a jurisdição dos
militares nas áreas da “subversão e da segurança nacional”. Em abril de 1966,
por decreto do então presidente Castelo Branco, foi criada uma comissão de
juristas, responsável pela elaboração de um anteprojeto constitucional que
incorporasse à Constituição de 1946 toda a legislação de exceção, incluindo-se
os atos e as emendas.
Convidado a integrar essa comissão, composta ainda por Levi Carneiro,
Orozimbo Nonato e Temístocles Cavalcanti, Seabra Fagundes foi o único que dela
se desligou antes da conclusão dos trabalhos, por discordar sobretudo da
manutenção no anteprojeto de eleições indiretas. No entanto, o anteprojeto
constitucional, redigido pelos outros membros da comissão, foi rejeitado pelo
presidente Castelo Branco, que exonerou o senador Mem de Sá da pasta da Justiça
e designou para o cargo Carlos Medeiros Silva, autor afinal da Constituição
promulgada em 15 de março de 1967. Seabra Fagundes escreveu diversos artigos e
fez várias conferências analisando, sob o ponto de vista jurídico, a nova Carta
e a nova Lei de Segurança Nacional, igualmente decretada em 15 de março.
Com a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5) em 13 de dezembro de 1968,
manteve uma posição firme contra mais essa medida de exceção, combatendo, como
jurista, a cassação dos mandatos eletivos, a suspensão dos direitos políticos,
a supressão do habeas-corpus e a demissão sumária de magistrados. Antes
do fim dessa década, já pedia a revisão da “legislação tumultuária feita no
Brasil nos últimos anos”.
Em abril de 1970 foi eleito presidente do IAB, durante o governo do
general Garrastazu Médici, fortemente marcado por uma escalada de medidas
repressivas e pela mutilação do Legislativo e do Judiciário, sob a égide do
AI-5 e da Lei de Segurança Nacional. Seu discurso de posse, “A legalidade
democrática”, gerou tal polêmica entre os políticos que foi considerado, até
mesmo por seus críticos, uma apologia à liberdade. Mereceu quatro artigos de
Alceu Amoroso Lima, publicados no Jornal do Brasil, e foi proibido de
constar nos Anais da Câmara, contrariando o pedido feito por um
parlamentar. A respeito do quadro político, Seabra Fagundes afirmava que “a
precariedade dos governos de força não se mede pelos anos de duração, e sim
pelo aparato de violência que lhes garante a presença, em contraste com os
oriundos da periodicidade das urnas, a exigirem apenas o rotineiro ordenamento
policial. Contra eles há uma espécie de mobilização tácita da oposição, a
procurar o momento de eclodir”.
Logo depois, durante a inauguração da sede paulista da OAB, pronunciou
outra conferência, “A missão do advogado e os direitos da pessoa humana”, que
foi publicada no jornal O Estado de S. Paulo com o título “O advogado
nos regimes de força”. Em 1971 recebeu o título de doutor honoris causa da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Concluindo sua gestão
no IAB em abril de 1972, tornou-se membro efetivo do conselho superior dessa
instituição. Na década de 1970, participou de todos os congressos jurídicos
brasileiros e das conferências nacionais da OAB, às quais esteve presente desde
a primeira, no fim da década de 1950.
Em maio de 1978 denunciou em entrevista à imprensa “o caos implantado no
plano legislativo pela sucessão de atos institucionais, atos complementares,
decretos-leis etc.”, afirmando ainda que era necessário, “para normalizar a
vida jurídica do país, ter a coragem de revogar maciçamente toda a legislação
excepcional”. Ainda em maio, presidindo o painel sobre estado de direito na VII
Conferência da OAB, declarou que “a reestruturação do habeas-corpus somente
representaria algo significativo como retomada da tradição política e jurídica
em nosso país se feita em toda a plenitude”.
Em julho, no momento em que o país começava a discutir os limites de uma
reforma das instituições, uma comissão de ministros do Superior Tribunal Militar
(STM) remeteu ao presidente Ernesto Geisel uma proposta de reformulação da Lei
de Segurança Nacional, um dos instrumentos mais rigorosos do regime. Consultado
mais uma vez pela imprensa, Seabra Fagundes afirmou que a reformulação se
impunha “como um dos caminhos para a devida proteção dos direitos individuais”
e que, com a legislação de exceção, a segurança nacional havia sido “erigida em
dogma do regime”. Condenando a “incomunicabilidade em que o governo, amparado
no conceito por vezes obscuro de ‘guerra psicológica adversa’ e ‘guerra
revolucionária ou subversiva’, mantinha os detentos”, encobrindo dessa forma a
“tortura física”, afirmou que era “dever do advogado denunciar torturas a
presos políticos” e, ainda, que “somente eliminando a figura da incomunicabilidade
o habeas-corpus teria sua função plenamente restabelecida”. Defendeu
também a convocação de uma assembléia nacional constituinte como o caminho
adequado para a construção de uma nova ordem institucional.
Em meados de dezembro de 1978, o projeto da nova Lei de Segurança
Nacional foi aprovado no Congresso por decurso de prazo. Em 31 de dezembro, o
presidente Geisel anunciou a revogação do AI-5, lembrando entretanto o
estabelecimento das “salvaguardas constitucionais para defenderem o regime”.
Nessa ocasião, Seabra Fagundes passou a defender a anistia como solução efetiva
para os banidos e exilados espalhados pelo mundo a partir de 1964. Embora
considerando uma grande conquista o projeto de reformas políticas e afirmando
que “as mais graves medidas consignadas no AI-5 — cassação de mandatos,
demissão de juízes e suspensão dos direitos políticos — não terão mais lugar”,
criticou o presidente Geisel por estar anunciando medidas que seriam
implementadas apenas no governo de seu sucessor.
Durante toda a década de 1980, continuou exercendo a advocacia e
proferindo palestras e conferências. Envolveu-se intensamente nas discussões
nacionais a respeito da Constituição de 1988, em sua fase de elaboração. Sempre
ligado às atividades da OAB, participou da decisão da entidade de apresentar o
pedido de abertura do processo de impeachment do presidente Fernando
Collor à Câmara em setembro de 1992.
Ao longo desses anos colaborou com inúmeros artigos nas revistas Direito,
Revista dos Tribunais, Revista Forense, Revista de Direito
Público de São Paulo, Arquivo Judiciário, Revista de
Direito Administrativo, Revista Brasileira de Estudos Políticos, Revista
Jurídica, Revista de Direito Contemporâneo e Revista da
Universidade Católica de Campinas. Dedicou-se também à reedição de
sua obra jurídica, considerada pelos profissionais da área de consulta
obrigatória tanto no Brasil como no exterior. Nos últimos anos de sua vida, foi
redator-chefe da Revista Forense.
Morreu
no rio de janeiro em 29 de abril de 1993.
Era casado com BENVINDA GENTIL DE SEABRA FAGUNDES, com quem teve dois
filhos, ambos advogados: Eduardo Seabra Fagundes, presidente do Instituto de
Advogados do Brasil, de 1976 a 1978, presidente nacional da OAB de 1979 a 1981,
e procurador-geral do estado do Rio de 1983 a 1986; e Sérgio Seabra Fagundes,
representante do Rio Grande do Norte no conselho federal da OAB.
Além da obra já citada, publicou Da desapropriação no direito
brasileiro (1942, 2ª ed. 1949), Dos recursos ordinários em matéria
civil (1946), Pareceres do consultor-geral da República (1947),
As forças armadas e a Constituição (1955).
A seu respeito, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte organizou o
livro Itinerário de um jurista, publicado em 1950.
VERA
CALICCHIO
FONTES: CAFÉ
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M. Petróleo; Personalidades; POERNER, A. Poder; POPPINO, R. Federal;
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COMERCIAL. Quem; Veja (11/8/71; 19/7 e 13/12/78 e 31/1/79).
FONTE – FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS